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Juiz, me add

Por Dennys Antonialli, Francisco Brito Cruz e Mariana Giorgetti Valente

Abra seu Facebook. Vá até a aba “Amigos”. Se você está na rede social faz algum tempo, deve ter mais de uma ou duas centenas de amigos. Ali devem estar pessoas da família, do trabalho, pessoas que você conhece da escola e não vê faz muito tempo, e talvez alguém que você conheça só pela Internet, ou que você nem saiba direito quem é, mas tem amizade porque se inspira naquelas fotos de comida gourmet. Em 2016, parece que ninguém mais precisa nos lembrar que o número de amigos ou contatos em redes sociais não é lá indicativo de muita coisa.

Fato é que continuamos interpretando informações possivelmente insignificantes do jeito que queremos, e às vezes é muito difícil de fazer o contrário, quando a evidência parece estar na nossa frente. Alguém me pede autorização de amizade, e meu cônjuge é uma amizade em comum. Ou tenho 25 amigos em comum com aquela pessoa, que pode ser apenas um perfil falso adicionando pessoas de um determinado círculo profissional.

Essas conexões digitais podem facilitar ou dificultar a verificação de situações que eram já obscuras antes da Internet em alguns casos importantes. Verificar o relacionamento entre duas pessoas é especialmente relevante se uma dessas pessoas pode ser o juiz que vai julgar um caso contra você. Imagine que você está sendo processado por danos morais por um político de quem você tenha falado mal numa seção de “Cartas do Leitor” de um jornal. Agora imagine se você descobre que o juiz que vai julgá-lo cresceu com esse político, numa cidade do interior, e um é padrinho de casamento do outro.

Para impedir que esse tipo de relação faça um julgamento ser parcial, a legislação prevê alguns instrumentos. Um deles, para os casos mais objetivos, é o impedimento – é a impossibilidade de julgar um caso se uma das partes for, por exemplo, consanguínea do juiz. O outro é a suspeição, e funciona para os casos mais subjetivos, ou seja, motivos como amizade, inimizade ou interesses que façam com que a parcialidade seja comprometida. E é claro que, aí, existe uma “zona cinzenta” complicada, um terreno da interpretação do caso concreto. Talvez você se lembre da polêmica de dois meses atrás, quando se circulou a informação de que um juiz que havia suspendido a posse o ex-presidente Lula na Casa Civil havia participado de protestos pelo impeachment. Seria isso motivo para que a parcialidade daquele juiz pudesse ser questionada, e, caso ele não a alegasse por conta própria, que se pudesse mover uma “exceção de suspeição” contra ele?

Foi uma “zona cinzenta” desse tipo que motivou uma decisão envolvendo amizade em rede social. No Rio Grande do Sul, uma empresa de vigilância privada, parte de um processo, moveu uma exceção de suspeição (nome jurídico para esse tipo de questionamento) contra a juíza do caso, alegando que ela era amiga da outra parte no Facebook. A empresa argumentou que a juíza já havia inclusive curtido uma foto da outra parte, e que, por essas razões, não poderia julgar o conflito com imparcialidade. Em segunda instância, o Tribunal de Justiça do RS decidiu que a amizade na rede social não era suficiente para provar “amizade íntima”. Na prática, a juíza não foi declarado suspeita e substituída no caso, como queria a empresa de vigilância.

 

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O que a decisão do TJ-RS argumentou foi que, de acordo com a legislação processual (no caso, o Código de Processo Civil anterior, que estaria regendo o caso), teria de ficar provada amizade íntima para que se considerasse que a juíza era suspeita. A decisão considerou bem fundamentada a argumentação da própria juíza, que disse que, trabalhando em uma comarca pequena, tem relações pessoais e profissionais com uma proporção considerável das pessoas que vai julgar.    “Se assim fosse, como já mencionado, o juiz sequer poderia fazer parte de uma rede social, pois todos os conhecidos que lá estivessem seriam meus amigos e tal situação colocaria em dúvida minha imparcialidade”, disse ela.

Tanto a decisão sobre a amizade no Facebook, quanto o questionamento sobre o juiz que parecia ter sua decisão já tomada, quando apoiava veementemente as manifestações, levantam questões delicadas sobre as nossas vidas digitais. A empresa de vigilância no caso do TJ-RS possivelmente nunca saberia, sem a Internet, que a vida da juíza já tinha em algum momento cruzado a vida da outra parte. O juiz que suspendeu a posse de Lula talvez fosse a manifestações, falasse sobre elas veementemente em seus círculos sociais, mas dificilmente alguém de fora de seus contatos íntimos saberia disso.

Parece que, de fato, mais elementos que a simples relação de amizade no Facebook precisam ser investigados para concluir se um juiz é imparcial para julgar um processo. Assim como nos casos em que se deve ter cuidado ao fazer inferências com base em elementos encontrados na Internet sobre as partes, externas ao processo, como já comentamos aqui, o mesmo vale para o caso dos juízes. As informações que existem sobre as pessoas na Internet precisam ser colocadas em contexto. Com isso, a escolha sobre o que é visível publicamente em nossos perfis passa de corriqueira para, em muitos casos, decisiva.

Leia aqui a decisão do TJ-RS.


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